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CAETITÉ E SUAS ATIVIDADES ARTÍSTICA E LITERÁRIA
por Bartolomeu de Jesus Mendes

Por ser um lugar relativamente privilegiado do Alto Sertão da Bahia, a Cidade de Caetité, desde o início do seu povoamento, tem recebido levas e levas de famílias que passaram a integrar a sua comunidade. Nesses grupos vieram homens e mulheres que trouxeram novas idéias e novos conhecimentos que terminaram por expandir, ainda mais, a cultura intelectual local. Foram nomes de pessoas corajosas que não se intimidavam nas suas expressões, às vezes até denunciativas contra o governo. Por volta de 180l, o próprio D. José Fernando de Portugal, emitiu uma nota oficial ameaçando dois moradores de Caetité. Pelo teor da nota pode-se imaginar a postura denodada dos repreendidos. Assim escreveu ele: "... advertindo de ordem minha ao rábula Antonio Sampaio e a Francisco José de Freitas Sá Couto que se abstenham de excitar dúvidas e causar perturbações entre os moradores, pois, do contrário mandarei proceder contra eles".

Entre os adventícios de Caetité daquela época, veio, provavelmente acompanhado a Família Gomes de Azevedo, o Padre Queirós Ozório - um professor de Latim de grande reputação nacional. Esse Padre, com suas atividades de mestre, levou o nome de Caetité para além de suas fronteiras, atraindo para o lugarejo discípulos de outras regiões, dentre esses alunos, alguns padres como ele próprio. Foi tanto a sua fama e os serviços prestados que, logo, o Senado da Câmara dirigiu ao Príncipe Regente uma correspondência solicitando a sua nomeação como Professor Régio, em Caetité.

Foi o Padre Queirós Ozório quem mais concorreu para o avanço das Letras entre os caetiteenses. Os resultados do seu trabalho intelectual foi percebido por todo o Alto Sertão Baiano, convergindo para a então Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité, romarias de estudantes que o procuravam, desejosos por um bom crescimento na "latinidade", como narra a tradição local. Até mesmo o menino João Maurício Wanderley (futuro Barão de Cotegipe), fora mandado, pelo seu pai, a estudar com o Padre Queirós. O pequeno discípulo deve ter aproveitado muito bem a inteligência do mestre. Pois, mais tarde, tornou-se figura exponencial no país. Como Chefe de Polícia, em Salvador, combateu o tráfico clandestino de escravos na Ilha de Itaparica. Segundo informações antigas, o Barão de Cotegipe tinha uma parenta moradora em Caetité, vinda das margens do Rio São Francisco, cujo nome era Dona Maria Coelho. Foi na casa dessa parenta que o "Futuro Barão" permaneceu, como pensionista, durante o seu tempo de aluno do Padre Queirós, em Caetité. Existem várias correspondências, deste período, que foram trocadas entre o Sargento Mor Wanderley (pai do Barão de Cotegipe) e pessoas da cidade.

Não há dúvidas de que a cidade de Caetité deve ao Padre Queirós Ozório a conquista do seu sucesso literário. Numa época de poucas Escolas Régias na Bahia, assim como eram, também, raros os núcleos populacionais no Alto Sertão, Caetité já funcionava com o ponto de intercruzamento de estradas que demandavam de Minas Gerais, Rio de Contas e da Capital da Província da Bahia. Assim, a cidade tornou-se pouso preferencial para os transeuntes. E, por se encontrarem ali residentes muitos padres continuadores das obras dos Jesuítas, a pequena povoação cresceu transformando-se num centro comercial de primeira ordem, sustentado pela cultura diversificada de produtos agrícolas.

Naqueles saudosos tempos os estudos da população eram entregues a mestres-escolas que preparavam seus alunos dando-lhes, apenas, noções, muito elementares, das primeiras letras. O ensino de Português era dado nas aulas de Latim. Esse procedimento prosseguiu, mesmo que em declínio, até a segunda parte de século dezenove. Assim, o ensino da língua vernácula era ministrado, com muito apuro, pelos latinistas - a custos dos seus alunos. Bastava que o indivíduo tivesse algum talento para a poética, conhecesse a riqueza de nossa sinonímia e a arte versificatória, para que despontasse o poeta. Depois, uma safra entusiasta de alunos, desenvolvendo os saberes construídos, passaram a ostentar esplendores surpreendentes na arte poético-literária. Para isso, muito contribuiu, como fonte de inspiração, a linda mulher sertaneja. A crioula de olhos ardentes e lábios volumosos, fresca e radiante.

O rude camponês, o simples vaqueiro, enquanto no labor cotidiano, longe dos seus filhos e de sua amada, superavam suas tristezas a dedilhar suas violas em cânticos saudosos. E, assim, nasciam os poetas populares, multiplicando-se na comunidade. Testemunhando esses momentos líricos, ainda conserva a tradição belas canções de passados madrigais, quando eram declamados sonetos críticos e amorosos que patenteavam a cultura naqueles tempos da antiga Caetité. Por ocasião da Independência da Bahia, no auge dos movimentos que a precederam, foram compostos hinos patrióticos que ainda se conservam. Na época do assassinato do médico italiano, Zama de Faenza conhecido, historicamente, por César Zama, esposo de Dona Rita de Sousa Spínola e pai do famoso médico baiano, Aristides César Spinola Zama, (1837-1906) foi composto uma espécie de "elegia", produzida por um caetiteense. Essa obra de grande valor literário que narrava, em tom melancólico, o feito do escravo Antonio por motivo não bem esclarecido, permanece, ainda, uma incógnita a esquivar-se daqueles que a procuram.

Mas, não só de poesia se ocupava o caetiteense, como também da música. A música e a poesia foram cultivadas na sociedade caetiteense, desde o início do século dezenove. Já em 1811, cantou-se um Te Deum Laudamos, acompanhado por orquestra. Félix Queirós, amigo do Coronel José Augusto Spínola Castro, em 1877, aos 80 anos de idade, prestou valiosas informações ao então jovem João Gumes, sobre vários confrontos musicais que ocorreram na cidade colocando, frente a frente, músicos caetiteenses com músicos de outros lugares. Afirmou ele a João Gumes que, desde cedo, em Caetité, já havia bons músicos.

Dos imigrantes que vieram das Minas, no início do século dezenove, veio, também, o mestre Inocêncio Martins Brasil - excelente compositor de música sacra. Esse mestre não se celebrizou em Caetité como executou mas, ganhou fama como compositor, deixando como seus continuadores Cesário de Melo e Florêncio Siqueira. Um outro músico, de boa qualidade, que deixou a Vila de Urubu e passou a morar em Caetité foi o Padre Jatobá.

Se você, leitor, teve a paciência de ler estas linhas até aqui, posso garantir que percebeu o quanto foram importantes esses homens de ontem, para a Caetité de hoje, legando um passado de glória e de riquezas cultural e intelectual. Cujos momentos tão prósperos foram construídos por pessoas dedicadas que souberam honrar que lhes serviu de abrigo.

Caetité, 09 de junho de 2003.


Notas[]

  • Foram conservados os negritos originais do texto.
  • Texto de Bartolomeu de Jesus Mendes - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - 2010 - Todos os direitos pertencem ao Autor
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